Qual a percepção das crianças sobre Deus? Nas diferentes religiões, o
ensinamento sobre Deus é algo muito variável, e mesmo nas principais
crenças monoteístas do mundo – cristianismo, judaísmo e islamismo – a
forma como as crianças encaram Deus é bastante diferente. Essa é a
conclusão que se pode tirar do depoimento de nove crianças sobre o
Criador.
A jornalista Anna Virginia Balloussier, da Folha de S. Paulo, colheu
as impressões de nove crianças de diferentes credos sobre Deus. As
religiões representadas na reportagem são as que mais têm
representatividade na sociedade brasileira.
Beatriz Dias Samuel, 08 anos, católica; Pietra Hanna Castanho, 10
anos, evangélica; Clara Veiga Carvalho, 10 anos, espírita; Luke Saul
Jospa, 09, judaísmo; Mohamed Hussein Abid Ali, 08 anos, muçulmano;
Manuella Araújo da Costa, 10 anos, candomblé; Ariom Scheffer, 11 anos,
budista; Núbia Selassie Cestari Granello, 06 anos, rastafári; e Darah
Cally Patrício, 08 anos, União do Vegetal (grupo dissidente da religião
Santo Daime), deixaram suas impressões sobre a figura divina.
Para a evangélica Pietra, Deus é um companheiro fiel: “Deus nos ama e
nos ilumina. Ele me ajuda quando alguém briga comigo. Teve uma confusão
na escola, e a professora disse que eu participei, mas só estava lá
comendo meu lanche”, disse a menina, expressando sua percepção a
respeito do Pai.
Já a católica Beatriz usa a representação visual (comum no meio
católico devido ao uso de imagens de santos) para ilustrar sua impressão
do Deus onipresente: “No antigo tempo, não cortavam cabelo, então Deus
tem o cabelo longo. Hoje Ele tá no meio do coração de todo mundo. Eu
rezo para Ele deixar a gente ficar com o recreio um pouquinho maior”,
contou.
O seguidor do judaísmo Luke, curiosamente, expressa sua impressão de
Deus com uma ilustração superdimensionada da graça: “Para nós não tem
inferno, só céu. Assim: vamos fingir que você está no teatro. Se foi uma
muito boa pessoa, ficaria na frente, mais perto de Deus. Se foi uma
ruim pessoa, ficaria lá atrás”, disse o menino, que desenhou o palco,
sua representação de Deus no teatro ilustrativo, como um enorme sol.
Segundo o budista Ariom, Deus não pode ser medido: “Não tem um Deus
físico. Deus é tudo e tudo é Deus. Ele é feito de luz. O arco-íris, no
budismo, representa uma pessoa com coração iluminado”.
A praticante do candomblé Manuella lembrou da discriminação religiosa
ao falar de Deus: “Oxum é a santa que me protege. Ela tá no mato, para
curtir a vida. Uma professora uma vez contou que um lobo ia na porta da
criança que não é batizada [como cristã]. Fiquei com medo, chorando”,
lamentou.
“Sonhei que Jah estava no deserto e fazia todas as pessoas ficarem
felizes. Ele é o meu coração e fica batendo em todos os momentos. Peço a
Jah que o mundo fique bem limpinho”, disse a rastafári Núbia.
Santo Daime é uma religião que baseia as experiências sobrenaturais a
partir da ingestão de um chá alucinógeno. Essa crença sofreu uma
divisão, a União do Vegetal, que é seguida por Darah. E as
características do culto praticado dentro dessa religião foram expostas
na impressão da menina sobre Deus: “Desenhei o mestre Gabriel, o nosso
guia. É muito legal beber [ayahuasca]. Tem gente que vomita, mas eu não
sinto medo, sinto amor. E vontade de rir muito! Já vi árvores falando
comigo”, contou.
O muçulmano Mohamed expressou sua maneira de enxergar Deus como uma
criança e as preocupações normais da idade: Deus é tudo para mim. Peço
para Ele deixar chover, mas algumas vezes não penso na água. Penso em
jogar Nintendo DS”.
Ao final, a espírita Clara associou Deus à natureza e à doutrina da
reencarnação: “Deus criou a borboleta. Ela é bonita e feliz. Começa como
se fosse um bicho horroroso, gosmento, e vira uma borboleta linda. É
como o espírito que reencarna: você vai crescendo e evoluindo”.